Tuesday, December 30, 2008

A Velha Casa de João Garcia Miguel

De quantos tons é feito um texto? Quantas cores pode ter uma palavra?

A trama dos significados, dos significantes... e da inesgotável riqueza da linguagem humana.

Palavras de Luiz Pacheco... 5 tons diferentes por Ana Santos, Isa Araújo, João Pedro Santos, Rosa Abreu, Sara Ribeiro. 5 tons que são 5 interpretações... 5 formas de sentir, de ver e de dar a sentir, sob encenação de João Garcia Miguel.

Um mesmo texto são 5 textos. Todos eles diferentes pelas diferentes emoções e experiências que nos transmitem. Todos eles iguais nas palavras que são ditas. Uma palavra são 5 palavras.
Mais uma vírgula na problemática da linguagem, para além de um trabalho teatral interessantíssimo pela criatividade da abordagem e pela promoção da reflexão sobre as dinâmicas de interpretação.
Creio que era Bergson que falava da morte do autor. (Seria? Tenho agora as minhas dúvidas... mas surge-me este nome associado a esta ideia.. e como não sou boa com nomes... deixo o convite à correcção e sigo adiante com as ideias, pedindo as minhas desculpas) O texto múltiplo de sentidos, cabendo a cada leitor o poder de o reescrever em ideias que dele se extraem. A consciência de que cada palavra encerra em si uma multiplicidade inesgotável, irredutível...
Esta peça explora a multiplicidade, dentro de uma linha de coerência interna ao texto, bem marcada -distanciando-se da abordagem surrealista que propõe a dissociação das palavras em relação às coisas. Haverá pequenos esgares de surrealismo, mas essencialmente a linha é marcada em intenção, em transmissão da coisa desvelada pela palavra.

Cada divisão da casa - o quarto da mãe, da criança, a sala verde, a casa de banho e a cozinha - uma encenação diferente, 30 minutos, um actor. A cada meia hora surge na escadaria da Junta de Freguesia de santo Estevão em Lisboa a chamada - quem está para o quarto da mãe? Quem está para a sala verde? De acordo com a ordem cronológica estabelecida na aquisição do bilhete, cada um entra para cada divisão, para cada peça, de acordo com a sequência que lhe foi arranjada - o que abre caminho a uma nova multiplicidade e uma nova reflexão sobre a problemática da intenção associada à da linguagem: como é que a sequência em que experimentamos as 5 diferentes encenações que compõem o todo que é a peça A Velha Casa influencia a nossa visão de cada uma, enquanto espectadores?
Em cada divisão um mesmo texto, um só texto, assume-se como outro através do trabalho de encenação, produção e representação.

Para além do brilhantismo do conceito da peça, destaco o brilhantismo de alguns dos trabalhos de representação... e deixo uma nota na agenda - João Garcia Miguel.. a explorar outros trabalhos, sem dúvida.

Tuesday, November 4, 2008

Janeiro, de Vasco Gato

«é esta a completude dos dias
quando se reunem sobre a cidade
os sossegos da idade já meiga.
são estas as palavras que ficam desde o interior do nosso mais antigo nome.

é o inverno aberto desde janeiro
com as árvores despidas de frio e de spidas e o frio azul,
é o ano que começa no tempo que é nada,
os bolsos que se enchem d mãos,
as casas que parecem mais juntas.

por esta altura estarão a nascer
as horas mais felizes das nossas vidas
- bebemos chá escutando o lume
e amanhã será um dia a menos,
um outro som acrescentado à voz,
um abraço fechando-se até ao amor.»

Vasco Gato, Janeiro, in Um Mover de Mão

[obrigado por teres este autor cá por casa...]

Thursday, October 23, 2008

Na Selva das Cidades, Bertolt Brecht

"O amor, calor dos corpos que se juntam, é a única graça que nos foi concedida nas trevas! Mas a união dos orgãos é a única que existe e não transpõe o abismo da linguagem. Mesmo assim juntam-se para produzir novos seres que possam vir a ajudá-los na sua solidão desoladora. E as gerações olham-se friamente nos olhos. Se se encher um navio até cima com corpos humanos, vai haver dentro dele uma solidão tão grande que todos morrem gelados."

Saturday, October 18, 2008

O Profeta II, de Carlos Bica in Gebhard Ullmann, Essencia

A música começa doce... melodiosa, crescendo em tensão... na força anunciada de um instrumento de sopro... que não consigo identificar (maldito ouvido este meu)... e no silêncio o jogo...
Subtil, profundo... avança em pezinhos de lã sob o som crescentemente agudo do piano... a contrabalançar com o grave do contrabaixo... entre o denso e o subtil... a escavar entre os silêncios...
E no culminar... nova brincadeira... melodia soprada... desconstroi... brincadeira de sons... novo jogo... explorar o som... explorar por dentro... na vibração dos sentidos...

Na Selva das Cidades, Bertold Brecht

"Shlink: Dou-lhe quarente dólares pela sua opinião sobre este livro que eu não conheço, nem me interessa conhecer.
Garga: Eu vendo-lhe as opiniões do mister V. Jensen e do mister Arthur Rimbaud, mas não lhe vendo a minha opinião.
Shlink: E a mim também não me interessa conhecer a sua opinião, só quero comprá-la."

Gostava que na vida real fossemos igualmente claros... todos tentamos por vezes comprar opiniões, pagando-as em sorrisos, em presenças, em vozes certas evitando as erradas... E gostava que todos tivessemos a coragem de dizer não...

Trio Maria Viana + Sheila Jordan, Centro Cultural da Malaposta, 4 Out/08

A vida sentida na ponta dos dedos... no nam nam da voz... as cordas vocais gemidas em palavras... tremidas no traço do não dito... que pende entre as palavras, a dar cor ao sentir... a enchê-lo com memórias...
A vida sentida na alegria... no partilhar... onde o palco não é barreira, e o ritmo sobe... invade...
Ganas de viver... sentida à boa maneira portuguesa: por dentro... a exprimir-se num jazz muito pessoal... Maria Viana na voz e na cara do grupo... com uma voz quente, espírito forte, uma excelente presença em palco... o equílibrio entre a paz, de quem acolhe o sentir com alegria, encaixando peças de um puzzle, e a revolta que desinstala e dá o mote ao criar genuíno, e nos faz sentir como total a sua entrega à música... piano e contrabaixo para mim anónimos [infelizmente].
E como prenda de um aniversário surpresa (comovente querer comemorar o aniversário em palco) Sheila Jordan... com uma voz invulgarmente doce para o meus hábitos ou conhecimentos de jazz... que tornam incrivelmente bela a sua forte expressividade... e cativante uma história forte e vivida, que se pressente em cada marca de idade dos seus já quase 80 anos... que colocam o seu percurso na "era dourada" das grandes vozes femininas (Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Betty Carter...) e o começo de carreira nos conhecidos bares de jazz de Detroit, Michigan [coisinhas que aprendi depois... porque é bom aprender].

Friday, October 17, 2008

A Morte Feliz, Albert Camus

"Compreendia que ter medo daquela morte que ele encarara com uma angustia de animal era também ter medo da vida. O medo de morrer justificava um apego sem limites a tudo o que é vivo no homem. E todos aqueles que não tinham praticado os gestos decisivos que enobrecem e exaltam a impotência, todos tinham medo da morte, pela sanção que ela imprime a uma vida de sempre tinam ficad distantes. Não tinham vivido o suficiente, nunca tinham vivido. [...] Mas, para todos os outros, a morte era o gesto fatal e piedoso que tudo apaga e tudo nega, que sorri de igual modo à aceitação e à revolta."

Tuesday, September 16, 2008

Ghiro Ghiro Tondo, de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi



Silêncio... Absoluto silêncio onde falam só as imagens, numa linguagem puramente plástica... Imagens de brinquedos. Diferentes brinquedos, agrupados sequencialmente em diferentes categorias: bonecos, brinquedos de guerra, brinquedos alusivos às lidas domésticas, à lida da vida do campo, jogos... Brinquedos que têm em comum a estética de um período que lhes é próprio - o período entre a 1ª e 2ª guerra mundiais. Brinquedos marcados pela sua história - aviõezinhos de brinquedo marcados com a suástica nazi, bonecos marcados com o seu país de fabricação...


Brinquedos que retratam histórias de infâncias perdidas... e abrem espaço a uma reflexão sobre a marca indelével que a nossa experiência marca sobre o nosso carácter, e que o nosso carácter marca sobre a experiência dos que nos seguem. Brinquedos fabricados por adultos, de acordo com a sua visão de mundo (os tachinhos e panelinhas para as meninas, soldadinhos para os meninos) para povoar de fantasia as brincadeiras das crianças. Brinquedos que moldam a sua liberdade infantil às nossas espectativas, à nossa visão de mundo...


Brinquedos de uma plasticidade crua: rostos plásticos disformes e frios, cores cinzentas... A utilidade em supremacia da estética... (- De que outra forma explicar aqueles buracos em vez de bocas, construídos com a pura finalidade de encaixar um biberon, uma chucha...)


Um outro juízo do belo... um tempo outro... um tempo e estética que contam história... nesta história sem história... do projectar sequencial de imagens... filmadas na busca estética de uma outra linguagem, numa outra história.


Imagens silenciosas, mas não mudas... imagens que falam nesta busca de encontrar o belo, de retratar... de decompôr o objecto... expô-lo... mostrá-lo... encontrar as suas vibrações de significância... fazê-lo significar por fim, na mente de cada observador... de cada voyer desse espaço outro... exposto na sequência de imagens de um filme documental captado em imagem de vídeo de estilo doméstico.


Inquietou-me... e não sou fã de brinquedos.




Friday, September 5, 2008

Festa do Avante - 32ª ediçao

-"Onde vais jantar?" - ouve-se do outro lado da linha.

-"Não sei. Talvez vá à Internacional comer uma cachupa... Ou desça até Santarém para a Sopa da Pedra... ou até ao Alentejo para comer uma açorda... não sei bem o que me está a apetecer.E tu já jantaste?"

-"Tava a pensar ir à cachupa, sopa da pedra não me apetece e no Alentejo tá uma fila enorme. Queres ir lá ter?"


Passo pela solidariedade, por cuba... até chegar às mornas áfricas com os seus frangos assados e as suas cachupas... hum que delícia... mesmo ali ao lado de Espanha onde o ano provei uns enchidos grandes... seriam botifarras? Não me lembro bem o nome.


Olho os sorrisos... as conversas acesas de política... as conversas de acasos... as conversas de reencontros, de novidades de uns e de outros... Assim é o Avante - um espaço família, de quem tem o céu como tecto e a alma povoada de esperança (povoada de uma qualquer esperança).


Este ano, a chuva (e quem sabe também o falecimento súbito do técnico de som do palco 25 de Abril, nessa mesma manhã) levaram ao cancelamento do espectáculo de ópera que preencheria pela primeira vez, a noite dedicada à música clássica - 6ª feira, o primeiro dia do festival. Muitas vozes tristes deixaram em suspenso um pequeno "ohhh"... A festa continua pela Feira do Livro ou da Música, ou nas Carvalhesas incessantes da zona internacional... Fica a tristeza de este ano o Avante não ter cumprido um dos seus propósitos: levar cultura erudita mais inacessível devido aos seus elevados custos, e reservada às pessoas de algum status social, às pessoas do povo, possibilitando o acesso de todos a tudo.


Na certeza de que a Festa do Avante é única em diversidade e na filosofia que a anima, amanhã Mind the Gap marcam como ponto de encontro o 25 de Abril às 16h. Seguem-se Galandum Galundaina e Toques do Caramulo, talvez um salto ao 1º de Maio para as Tucanas, para finalizar a tarde, novamente no 25 de Abril com Kumpanhia Algazarra - afinal como jovem e apartidária que sou, ainda estou lá muito pelos concertos... (E não tanto pelas tertúlias e debates que sei que nessas mesmas horas, animarão outros pontos do festival.)

Mais um jantar numa tasquinha com comidas e artesanato típico de uma zona qualquer e seguir-se-à por certo Vieux Farka Touré, Júlio Pereira e Da Weasel .


No Domingo outras bandas e o comício esperam-me, finalizando depois já noite dentro com fogos de artíficio, carvalhesas e mais concertos, esta 32ª edição da Festa do Avante - porque não há festa como esta!

Até para o ano!

Wednesday, September 3, 2008

Monstros de José Gil

"Neste fim de século, os monstros proliferam: vemo-los por todos os lados, no cinema, na banda desenhada, em gadgets e brinquedos, livros e exposições de pintura, no teatro e na dança. Invadem o planeta, tornando-se familiares.
[...] gostamos indiferentemente do Elephant-man e dos anões dos Freaks, das "regas fabulosas" e dos monstros teratológicos. Esta atitude é sinal da grande dúvida que assaltou o homem contemporâneo quanto à sua própria humanidade."

Monstros, de José Gil


"[...] o corpo do outro reflete a imagem do meu como num espelho. Mais: no seio da minha imagem de mim habita a imagem de mim vista pelo outro corpo, de outro ponto de vista (exterior: assim toda a visão - de toda a paisagem e de todos os corpos - implica o espelhamento da minha imagem numa coisa outra; e o espelhamento da sua imagem no meu corpo).
Aqui reside a figura do "duplo". O corpo normal é-o porque não está sozinho: com ele vive o seu duplo - como um corpo duplo subtil, um "simulacro" [...]. O meu duplo assegura-me a constância e a multiperspectivação da percepção; com ela construo a reversibilidade do meu tempo irreversível, e vivo um presente com extensão que, enquanto dura, dura para a eternidade. Por isso a morte, que me é tão intíma, está sempre tão longe como alheia à vida. Duplo latente que sou - dentro e fora de mim."

Monday, July 14, 2008

Stabat Mater de Tarantino, pelos Artistas Unidos

1h30 de monólogo... De assustar qualquer um? Talvez sim, não fosse uma imagem de cartaz brilhante e profundamente dramática em 2006 quando estrearam, e agora o reconhecimento já consensual de um trabalho brilhante de Maria João Luís, e sem dúvida de um grande trabalho de equipa por trás...

Um monólogo dialogado, da personagem consigo mesma... com os seus dramas, a sua história, a sua pessoa.
O barafustar de sargeta, de uma mulher gasta, que não deve nada à vida e à sorte, vivida no meio de pessoas pequenas e relações pequenas, inconsciente, cheia de experiência e experiências, e ao mesmo tempo profundamente inocente... Capaz de afirmações tão polémicas como a da masculinidade do padre da paróquia, por baixo da sua batina, por ter adivinhado o volume hirto em determinadas ocasiões "que ele sempre é homem como os outros, porra... ai não se ele não é homem... bem vejo que ele é homem"... A expressão de gratidão por um "deixava que me desse uma voltinha nas mamas"... A afirmação de um racismo cru, relativamente aos marroquinos "punheteiros" "à espera de dar uma voltinha em qualquer um"...
Uma mulher de sargeta, a ansiar um reconhecimento que não vem, numa auto-afirmação que passa por "não ter" uma tabuleta a anunciar "vinhos e petiscos"... Uma mulher que na experiência limite de poder perder o seu filho, criado em esforços de mãe solteira, devido a um envolvimento político que desconhece e é incapaz de perceber, grita por fim a sua raiva.
Filho não reconhecido pelo João "sem borrachinha", casado com o "pote de banha a cheirar a xulé" a quem se sente ligado por tê-la "furado" primeiro... O tal João que aparecia às 10h e às 10h não veio... O João que lhe ia comprar a mercadoria... dar-lhe uma voltinha nas mamas... e levá-la a falar com o juíz responsável pelo caso do filho... e que às 10h marcadas no ómega que nunca se engana, não veio.
E nesse momento limite, não pode estar o padre, nem a sra x ou a sra y, sempre tão cheios de bons conselhos, mas incapacitados de se desviarem dos seus afazeres de paroquianos para auxiliar dores de mãe... Afazeres não interrompidos talvez por ser este um caso entre mil... (e perante a impotência...preferir não ver nos olhos a dor de cada um, votando-a à realidade numérica das coisas que acontecem, relatos de bairro ou de revista)... afazeres não questionados pela mãe agradecida das ajudas prestadas.
Não pode estar a Madalena, a mulher da casa do povo, mulher de rua, que vai com todos e diz amar o filho preso... "ai que ele diz umas coisas"
Não pode estar o juíz... mais uma vez...
Mulher de sargeta, mãe ferida, que entre tragos de álcool e frases repetidas, grita por fim a dor nessa experiência limite.

Sunday, July 13, 2008

Antídoto, José Luís Peixoto

« O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar [...] O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim.

[...]

Sei que existem cemitérios. Sei que a casa onde estás, o lugar onde te imagino a fazer tantas coisas, a não te lembrares de mim, é um lugar de destroços. Vivemos rodeados de cemitérios. Aquilo que fomos está enterrado à nossa volta e nunca poderemos saber onde deixámos tudo aquilo que não voltaremos a ver.»

Saturday, June 21, 2008

Ananil


O Ananil é um festival gratuito (!!!) em terras de Montemor, mesmo à beira rio... em contacto profundo com a natureza, numa atmosfera relaxante... onde tudo acontece devagarinho, com muito espírito inventivo e artesanal... e onde podemos assistir às experiências cinematográficas, musicais e performativas de jovens artistas, à descoberta da sua linguagem...

Através da apresentação dos seus trabalhos, os artistas constroem uma relação de conversação com o espectador... que torna a arte próxima! O Ananil é um corte com o sistema pseudo-intelectual de apresentação de espectáculos em espaços fechados, restritos pelo preço de um bilhete ou até simplesmente pela estratificação social com os seus hábitos e sub-culturas próprios, que tornam certos espaços como a Culturgest, o CCB, o Camões, a Cinemateca, etc etc, espaços visíveis apenas a alguns... e como que grandes incógnitas, para outros. Há que perceber que enquanto fecharmos a arte nos seus espaços, estamos a vedar o acesso, a toda uma massa de população cuja sub-cultura própria não inclui o conhecimento, a frequência, o questionamento, sobre o que se passa por detrás dessas paredes com letreiros estranhos à entrada. É urgente levar a cultura às ruas!!! E o Ananil é um perfeito exemplo disso.
Sinto-me aqui tentada a citar as palavras de um amigo, pouco frequentador desses espaços, e supostamente não apreciador de dança, depois da performance f/f do dançarino e coreógrafo Hajime Fujita:

"Isto interessa-me mais, liguei-me mais a ele, eu senti mais, percebi mais do que se ele tivesse um fato xpto e estivesse num palco."

O Ananil constroi-se numa sala minúscula onde as pessoas se sentam muito juntas no chão, mesmo ao lado da actuação; debaixo de uma árvore mesmo junto às mesas dispostas no pátio para as refeições e na zona de passagem; debaixo de outra árvore que faz de sombra à tela, numa espécie de pequeno pátio, mesmo ao lado da estrada; numa tenda ao fundo do campo, com um pequeno palco; nas pedras ou nos bancos (tábuas assentes na terra) junto ao rio; no pequeno bar de gente da aldeia; nas tendas dispostas no terreno irregular, rompido por raízes ou por pedras, debaixo das árvores junto ao rio; nas ruínas do fantástico castelo de Montemor; no pôr do sol incrível: no céu estrelado.

Espero voltar!

Thursday, May 22, 2008

Acamarrados_ de Enda Walsh

ACAMARRADOS de Enda Walsh
Tradução Joana Frazão
Com
Carla Galvão e António Simão
Cenografia e Figurinos
Rita Lopes Alves
Luz
Pedro Domingos
Direcção de Produção António Simão
Assistência Pedro Carraca


Destinos cruzados, no drama individual de cada um e nos eternos opostos entre dois seres que se encontram, ou são forçados a encontrar, em relação.

A relação, neste caso é de filiação.

O drama ou os dramas? Escorrem lentamente pelo discurso... a história que se vai dizendo.

Um pai que se queria mais... uma filha que se queria mais. Dois seres presos a uma cama... um porque descobre ter receio de viver... descobre recear o mundo exterior. O outro porque a doença física a isso obrigou, apesar da luta exasperada para sentir, para viver...

O pai... descendência humilde, lutou astuciosamente por uma melhor posição social, vendendo a sua busca individual de felicidade em troca de relações motivadas pelo interesse, pela vingança, pela necessidade de sucesso, a necessidade de se afirmar como superior. Um homem enclausurado na sua torre, mecaniza a sua existência na terra... confraterniza, para obter melhor posição, para cativar os clientes de uma loja de móveis para assim ter mais vendas. Casa para ter uma parceira nos seus jogos de confraternização - alguém que recebe os seus clientes, que cozinha... Tem sexo por interesse, para cativar um vendedor a vender-lhe mercadoria e para procriar e assim fazer frente a um negócio familiar nascente, no mesmo ramo.

A filha, uma mulher que num trágico acidente em criança, apanhou uma doença que lhe deforma o corpo e que passou 10 anos da sua vida, tendo como único estímulo a presença incansável de uma mãe que lê histórias, que sorri... e a vaga noção da presença de um pai, de quem a mãe fala e a quem ouve por vezes... O pânico das paredes que ficam mais próximas, cada dia mais próximas e um barulho constante de martelar. Descobre depois que o martelar e o aproximar das paredes foi obra do pai, que durante 10 anos, num acto de loucura, foi construindo paredes, até que por fim a casa se transforma num labirinto, em torno de uma cama apertada entre 4 paredes.

A história revisitada, torna-se história presente. Palavras que enchem o espaço vazio deixado pelo silêncio. Vazio que o homem procura, e que ela recusa...

O espaço vazio e oco da ausência das palavras... em que nada é...

O homem que quer cessar de existir... a mulher que quer (re)começar...

Acamarrados... amarrados a essa cama entre 4 paredes apertadas - o cenário da peça, que se mostra e esconde numa parede branca, que desce no início da peça, e sobe no fim... declarando esse retormo à cama e às paredes que nos prendem a todos...

Friday, May 16, 2008

Porquê arte? Porquê esse gesto tão improvável de criar? E o que é criar? Sair da esfera desta vivência do quotidiano mundano? Mas criamos então em cada instante... Porquê arte? Porquê esse gesto tão improvável? Porquê o som? Porquê a pintura, a escultura, as instalações e todo o género de artes plásticas? Porquê o teatro? Porquê a mistura de todas?

Esta insatisfação... esta busca... verborreia constante! Tantos nomes, tantas obras... tanta vida, conceitos, ideias, emoções...

Cada género único... resultado forte dessa vivência profunda de cada homem consigo mesmo, com a sua cultura, com o seu meio...

Obrigado por esse gesto tão improvável!

Wednesday, January 23, 2008

"While going to a condition" e "Finore" de Hiroaki Umeda


Dois espectáculos... um mesmo estilo, que impressiona pela originalidade da criação final... Um vocabulário herdado do breakdance numa versão minimalista, em que a coreografia de luzes desempenha um papel fundamental... Uma dança interna... o ritmo sente-se totalmente de dentro para fora... só impregnados nesse ritmo interno é possível perceber com os sentidos, os movimentos contidos, concentrados e de uma espantosa precisão, de Hiroaki. A dança concretiza-se com a absoluta fusão do corpo no ritmo da música... como se cada som vibra-se inteiro em cada músculo, provocando cada pequeno movimento de que é composta a dança - ambas são compostas apenas de pequenos movimentos... um artista que num palco gigante ocupa dele uma milésima parte, numa versão quase estática... os movimentos são sobretudo internos...


Na conversa final com o artista, que é bom hábito da Culturgest proporcionar, surge uma informação que sinto anda preciosa quando penso no(s) espectáculo(s)... Hiroaki é japonês... e o espaço que usa para ensaiar é o seu quarto... um espaço de escassos metros quadrados, dada a falta de espaço da cidade que habita. Os movimentos internos de Hiroaki tomam para mim outra proporção... O palco gigante ocupado por luzes, e no seu centro um dançarino que não saindo quase do seu lugar consegue dar vida ao ritmo acelarado da música... torna-se de repente mais do que um espectáculo de dança... mas uma afirmação da capacidade de sentir do ser humano sobre todas as limitações externas que se lhe possam impor. Hiroaki torna-se para mim o homem que viola o espaço... e os movimentos densos, fortes, precisos e de total domínio sobre os diferentes músculos do corpo, com que me havia impressionado tornam-se a prova viva de que não há limitação externa que se possa impor a essa intenção interna de sentir... e de sentindo criar. Obrigado Hiroaki...