Tuesday, September 16, 2008

Ghiro Ghiro Tondo, de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi



Silêncio... Absoluto silêncio onde falam só as imagens, numa linguagem puramente plástica... Imagens de brinquedos. Diferentes brinquedos, agrupados sequencialmente em diferentes categorias: bonecos, brinquedos de guerra, brinquedos alusivos às lidas domésticas, à lida da vida do campo, jogos... Brinquedos que têm em comum a estética de um período que lhes é próprio - o período entre a 1ª e 2ª guerra mundiais. Brinquedos marcados pela sua história - aviõezinhos de brinquedo marcados com a suástica nazi, bonecos marcados com o seu país de fabricação...


Brinquedos que retratam histórias de infâncias perdidas... e abrem espaço a uma reflexão sobre a marca indelével que a nossa experiência marca sobre o nosso carácter, e que o nosso carácter marca sobre a experiência dos que nos seguem. Brinquedos fabricados por adultos, de acordo com a sua visão de mundo (os tachinhos e panelinhas para as meninas, soldadinhos para os meninos) para povoar de fantasia as brincadeiras das crianças. Brinquedos que moldam a sua liberdade infantil às nossas espectativas, à nossa visão de mundo...


Brinquedos de uma plasticidade crua: rostos plásticos disformes e frios, cores cinzentas... A utilidade em supremacia da estética... (- De que outra forma explicar aqueles buracos em vez de bocas, construídos com a pura finalidade de encaixar um biberon, uma chucha...)


Um outro juízo do belo... um tempo outro... um tempo e estética que contam história... nesta história sem história... do projectar sequencial de imagens... filmadas na busca estética de uma outra linguagem, numa outra história.


Imagens silenciosas, mas não mudas... imagens que falam nesta busca de encontrar o belo, de retratar... de decompôr o objecto... expô-lo... mostrá-lo... encontrar as suas vibrações de significância... fazê-lo significar por fim, na mente de cada observador... de cada voyer desse espaço outro... exposto na sequência de imagens de um filme documental captado em imagem de vídeo de estilo doméstico.


Inquietou-me... e não sou fã de brinquedos.




Friday, September 5, 2008

Festa do Avante - 32ª ediçao

-"Onde vais jantar?" - ouve-se do outro lado da linha.

-"Não sei. Talvez vá à Internacional comer uma cachupa... Ou desça até Santarém para a Sopa da Pedra... ou até ao Alentejo para comer uma açorda... não sei bem o que me está a apetecer.E tu já jantaste?"

-"Tava a pensar ir à cachupa, sopa da pedra não me apetece e no Alentejo tá uma fila enorme. Queres ir lá ter?"


Passo pela solidariedade, por cuba... até chegar às mornas áfricas com os seus frangos assados e as suas cachupas... hum que delícia... mesmo ali ao lado de Espanha onde o ano provei uns enchidos grandes... seriam botifarras? Não me lembro bem o nome.


Olho os sorrisos... as conversas acesas de política... as conversas de acasos... as conversas de reencontros, de novidades de uns e de outros... Assim é o Avante - um espaço família, de quem tem o céu como tecto e a alma povoada de esperança (povoada de uma qualquer esperança).


Este ano, a chuva (e quem sabe também o falecimento súbito do técnico de som do palco 25 de Abril, nessa mesma manhã) levaram ao cancelamento do espectáculo de ópera que preencheria pela primeira vez, a noite dedicada à música clássica - 6ª feira, o primeiro dia do festival. Muitas vozes tristes deixaram em suspenso um pequeno "ohhh"... A festa continua pela Feira do Livro ou da Música, ou nas Carvalhesas incessantes da zona internacional... Fica a tristeza de este ano o Avante não ter cumprido um dos seus propósitos: levar cultura erudita mais inacessível devido aos seus elevados custos, e reservada às pessoas de algum status social, às pessoas do povo, possibilitando o acesso de todos a tudo.


Na certeza de que a Festa do Avante é única em diversidade e na filosofia que a anima, amanhã Mind the Gap marcam como ponto de encontro o 25 de Abril às 16h. Seguem-se Galandum Galundaina e Toques do Caramulo, talvez um salto ao 1º de Maio para as Tucanas, para finalizar a tarde, novamente no 25 de Abril com Kumpanhia Algazarra - afinal como jovem e apartidária que sou, ainda estou lá muito pelos concertos... (E não tanto pelas tertúlias e debates que sei que nessas mesmas horas, animarão outros pontos do festival.)

Mais um jantar numa tasquinha com comidas e artesanato típico de uma zona qualquer e seguir-se-à por certo Vieux Farka Touré, Júlio Pereira e Da Weasel .


No Domingo outras bandas e o comício esperam-me, finalizando depois já noite dentro com fogos de artíficio, carvalhesas e mais concertos, esta 32ª edição da Festa do Avante - porque não há festa como esta!

Até para o ano!

Wednesday, September 3, 2008

Monstros de José Gil

"Neste fim de século, os monstros proliferam: vemo-los por todos os lados, no cinema, na banda desenhada, em gadgets e brinquedos, livros e exposições de pintura, no teatro e na dança. Invadem o planeta, tornando-se familiares.
[...] gostamos indiferentemente do Elephant-man e dos anões dos Freaks, das "regas fabulosas" e dos monstros teratológicos. Esta atitude é sinal da grande dúvida que assaltou o homem contemporâneo quanto à sua própria humanidade."

Monstros, de José Gil


"[...] o corpo do outro reflete a imagem do meu como num espelho. Mais: no seio da minha imagem de mim habita a imagem de mim vista pelo outro corpo, de outro ponto de vista (exterior: assim toda a visão - de toda a paisagem e de todos os corpos - implica o espelhamento da minha imagem numa coisa outra; e o espelhamento da sua imagem no meu corpo).
Aqui reside a figura do "duplo". O corpo normal é-o porque não está sozinho: com ele vive o seu duplo - como um corpo duplo subtil, um "simulacro" [...]. O meu duplo assegura-me a constância e a multiperspectivação da percepção; com ela construo a reversibilidade do meu tempo irreversível, e vivo um presente com extensão que, enquanto dura, dura para a eternidade. Por isso a morte, que me é tão intíma, está sempre tão longe como alheia à vida. Duplo latente que sou - dentro e fora de mim."