Thursday, October 23, 2008

Na Selva das Cidades, Bertolt Brecht

"O amor, calor dos corpos que se juntam, é a única graça que nos foi concedida nas trevas! Mas a união dos orgãos é a única que existe e não transpõe o abismo da linguagem. Mesmo assim juntam-se para produzir novos seres que possam vir a ajudá-los na sua solidão desoladora. E as gerações olham-se friamente nos olhos. Se se encher um navio até cima com corpos humanos, vai haver dentro dele uma solidão tão grande que todos morrem gelados."

Saturday, October 18, 2008

O Profeta II, de Carlos Bica in Gebhard Ullmann, Essencia

A música começa doce... melodiosa, crescendo em tensão... na força anunciada de um instrumento de sopro... que não consigo identificar (maldito ouvido este meu)... e no silêncio o jogo...
Subtil, profundo... avança em pezinhos de lã sob o som crescentemente agudo do piano... a contrabalançar com o grave do contrabaixo... entre o denso e o subtil... a escavar entre os silêncios...
E no culminar... nova brincadeira... melodia soprada... desconstroi... brincadeira de sons... novo jogo... explorar o som... explorar por dentro... na vibração dos sentidos...

Na Selva das Cidades, Bertold Brecht

"Shlink: Dou-lhe quarente dólares pela sua opinião sobre este livro que eu não conheço, nem me interessa conhecer.
Garga: Eu vendo-lhe as opiniões do mister V. Jensen e do mister Arthur Rimbaud, mas não lhe vendo a minha opinião.
Shlink: E a mim também não me interessa conhecer a sua opinião, só quero comprá-la."

Gostava que na vida real fossemos igualmente claros... todos tentamos por vezes comprar opiniões, pagando-as em sorrisos, em presenças, em vozes certas evitando as erradas... E gostava que todos tivessemos a coragem de dizer não...

Trio Maria Viana + Sheila Jordan, Centro Cultural da Malaposta, 4 Out/08

A vida sentida na ponta dos dedos... no nam nam da voz... as cordas vocais gemidas em palavras... tremidas no traço do não dito... que pende entre as palavras, a dar cor ao sentir... a enchê-lo com memórias...
A vida sentida na alegria... no partilhar... onde o palco não é barreira, e o ritmo sobe... invade...
Ganas de viver... sentida à boa maneira portuguesa: por dentro... a exprimir-se num jazz muito pessoal... Maria Viana na voz e na cara do grupo... com uma voz quente, espírito forte, uma excelente presença em palco... o equílibrio entre a paz, de quem acolhe o sentir com alegria, encaixando peças de um puzzle, e a revolta que desinstala e dá o mote ao criar genuíno, e nos faz sentir como total a sua entrega à música... piano e contrabaixo para mim anónimos [infelizmente].
E como prenda de um aniversário surpresa (comovente querer comemorar o aniversário em palco) Sheila Jordan... com uma voz invulgarmente doce para o meus hábitos ou conhecimentos de jazz... que tornam incrivelmente bela a sua forte expressividade... e cativante uma história forte e vivida, que se pressente em cada marca de idade dos seus já quase 80 anos... que colocam o seu percurso na "era dourada" das grandes vozes femininas (Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Betty Carter...) e o começo de carreira nos conhecidos bares de jazz de Detroit, Michigan [coisinhas que aprendi depois... porque é bom aprender].

Friday, October 17, 2008

A Morte Feliz, Albert Camus

"Compreendia que ter medo daquela morte que ele encarara com uma angustia de animal era também ter medo da vida. O medo de morrer justificava um apego sem limites a tudo o que é vivo no homem. E todos aqueles que não tinham praticado os gestos decisivos que enobrecem e exaltam a impotência, todos tinham medo da morte, pela sanção que ela imprime a uma vida de sempre tinam ficad distantes. Não tinham vivido o suficiente, nunca tinham vivido. [...] Mas, para todos os outros, a morte era o gesto fatal e piedoso que tudo apaga e tudo nega, que sorri de igual modo à aceitação e à revolta."