Monday, July 14, 2008

Stabat Mater de Tarantino, pelos Artistas Unidos

1h30 de monólogo... De assustar qualquer um? Talvez sim, não fosse uma imagem de cartaz brilhante e profundamente dramática em 2006 quando estrearam, e agora o reconhecimento já consensual de um trabalho brilhante de Maria João Luís, e sem dúvida de um grande trabalho de equipa por trás...

Um monólogo dialogado, da personagem consigo mesma... com os seus dramas, a sua história, a sua pessoa.
O barafustar de sargeta, de uma mulher gasta, que não deve nada à vida e à sorte, vivida no meio de pessoas pequenas e relações pequenas, inconsciente, cheia de experiência e experiências, e ao mesmo tempo profundamente inocente... Capaz de afirmações tão polémicas como a da masculinidade do padre da paróquia, por baixo da sua batina, por ter adivinhado o volume hirto em determinadas ocasiões "que ele sempre é homem como os outros, porra... ai não se ele não é homem... bem vejo que ele é homem"... A expressão de gratidão por um "deixava que me desse uma voltinha nas mamas"... A afirmação de um racismo cru, relativamente aos marroquinos "punheteiros" "à espera de dar uma voltinha em qualquer um"...
Uma mulher de sargeta, a ansiar um reconhecimento que não vem, numa auto-afirmação que passa por "não ter" uma tabuleta a anunciar "vinhos e petiscos"... Uma mulher que na experiência limite de poder perder o seu filho, criado em esforços de mãe solteira, devido a um envolvimento político que desconhece e é incapaz de perceber, grita por fim a sua raiva.
Filho não reconhecido pelo João "sem borrachinha", casado com o "pote de banha a cheirar a xulé" a quem se sente ligado por tê-la "furado" primeiro... O tal João que aparecia às 10h e às 10h não veio... O João que lhe ia comprar a mercadoria... dar-lhe uma voltinha nas mamas... e levá-la a falar com o juíz responsável pelo caso do filho... e que às 10h marcadas no ómega que nunca se engana, não veio.
E nesse momento limite, não pode estar o padre, nem a sra x ou a sra y, sempre tão cheios de bons conselhos, mas incapacitados de se desviarem dos seus afazeres de paroquianos para auxiliar dores de mãe... Afazeres não interrompidos talvez por ser este um caso entre mil... (e perante a impotência...preferir não ver nos olhos a dor de cada um, votando-a à realidade numérica das coisas que acontecem, relatos de bairro ou de revista)... afazeres não questionados pela mãe agradecida das ajudas prestadas.
Não pode estar a Madalena, a mulher da casa do povo, mulher de rua, que vai com todos e diz amar o filho preso... "ai que ele diz umas coisas"
Não pode estar o juíz... mais uma vez...
Mulher de sargeta, mãe ferida, que entre tragos de álcool e frases repetidas, grita por fim a dor nessa experiência limite.

Sunday, July 13, 2008

Antídoto, José Luís Peixoto

« O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar [...] O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim.

[...]

Sei que existem cemitérios. Sei que a casa onde estás, o lugar onde te imagino a fazer tantas coisas, a não te lembrares de mim, é um lugar de destroços. Vivemos rodeados de cemitérios. Aquilo que fomos está enterrado à nossa volta e nunca poderemos saber onde deixámos tudo aquilo que não voltaremos a ver.»